Análise crítica sobre o mercado de terras raras, o domínio chinês na exportação de minerais estratégicos e o imperativo do Brasil em construir uma indústria nacional forte

O Alerta Global e a Estratégia dos Minerais Críticos

Os elementos de terras raras são um grupo crucial de 17 metais, incluindo o neodímio (Nd), disprósio (Dy) e térbio (Tb), cujos números atômicos variam de 57 a 71. Esses minérios são fundamentais para a tecnologia moderna, pois apresentam alta carga magnética e possuem a capacidade única de absorver e expelir luz. Eles estão presentes em uma vasta gama de produtos, desde smartphones e veículos elétricos até equipamentos de defesa e soluções em energia limpa.

Além disso, esses elementos se destacam como excelentes condutores elétricos. Em março de 2025, a China, que exerce controle significativo sobre o beneficiamento das terras raras, decidiu restringir a exportação desses componentes vitais. Essa medida impactou diretamente mercados globais, incluindo os Estados Unidos. O resultado foi imediato: o preço do óxido de neodímio disparou vertiginosamente, gerando um alerta mundial sobre um possível déficit no abastecimento já previsto para 2026.

Esse cenário revela não apenas a vulnerabilidade das nações dependentes desses recursos estratégicos, mas também destaca a urgência em diversificar as fontes de fornecimento. Para garantir um futuro sustentável e evitar crises econômicas decorrentes da escassez desses materiais essenciais, é fundamental que países busquem alternativas e desenvolvam suas próprias capacidades na exploração e processamento dos elementos de terras raras.

Brasil: a Chance de um Novo Rumo

Diante dessa crise de oferta, o Brasil desponta com um potencial considerável. Possuímos reservas minerais relevantes, uma matriz energética com forte componente renovável e um arcabouço institucional que, se bem direcionado, pode fomentar uma indústria nacional de terras raras. A Agência Nacional de Mineração (ANM) mapeia 27 projetos, com destaque para iniciativas na Bahia, Goiás e Minas Gerais:

  • Projeto Caldeira (BA): Focado em argilas iônicas ricas em disprósio e térbio, elementos pesados de alto valor. O projeto apresentou seu estudo de pré-viabilidade (PFS) e busca um CAPEX (investimento de capital) de US$ 420 milhões.
  • Projeto Serra Verde (GO): Com teores significativos de elementos pesados, avança na montagem de sua planta piloto.
  • Projeto Araxá (MG): Investiga a coprodução de terras raras com o nióbio, buscando sinergias na exploração mineral, com testes hidrometalúrgicos (processamento químico em meio aquoso) concluídos.

Riqueza no Subsolo, Dependência na Prática

Embora o Brasil possua abundantes reservas de matérias-primas, ainda não conseguiu internalizar as etapas de maior valor agregado na cadeia produtiva, especialmente no refino químico. Atualmente, cerca de 90% da capacidade global desse processo está concentrada na China. Ao exportar minério bruto ou simples concentrados, o país abre mão de oportunidades valiosas: renda adicional, criação de empregos qualificados e avanço tecnológico.

A transformação desses minérios em óxidos de alta pureza—como o óxido de neodímio com 99,5% de pureza—pode aumentar seu valor em até quatro vezes. Contudo, se não houver um investimento robusto, tanto público quanto privado, em plantas de refino até 2028, o Brasil pode perpetuar sua posição histórica como mero fornecedor de commodities. Isso significaria perder a chance de gerar riqueza e inovação dentro do próprio território enquanto essas oportunidades se desenvolvem além das suas fronteiras.

É essencial que o país tome medidas decisivas para investir em tecnologias e infraestrutura necessárias para avançar nesse setor estratégico.

Um Projeto Nacional para as Terras Raras

Para que o Brasil se aproprie dos benefícios de suas riquezas minerais, é fundamental uma estratégia nacional que contemple:

  • Foco no Desenvolvimento da Cadeia Produtiva Interna: Os incentivos e políticas públicas devem priorizar a instalação de plantas de refino e a produção de bens de maior tecnologia, superando o modelo primário-exportador.
  • Fortalecimento da Ciência e Tecnologia Nacional: É crucial fomentar a colaboração entre universidades, institutos de pesquisa estatais e empresas (incluindo estatais ou com forte participação pública) para desenvolver e dominar as tecnologias de processamento, reduzindo a dependência externa.
  • Mecanismos de Financiamento Soberanos: O Estado deve induzir o financiamento de longo prazo, utilizando bancos públicos e fomentando instrumentos em moeda nacional, para proteger os projetos estratégicos da volatilidade cambial e dos interesses do capital financeiro internacional.

Justiça Socioambiental e Participação Popular

A defesa do meio ambiente é um compromisso que exige não apenas conscientização, mas também ações efetivas para mitigar os impactos da exploração mineral. É fundamental compreender as consequências dessa atividade, especialmente em relação ao garimpo ilegal, que agrava a degradação ambiental e compromete a saúde das comunidades locais.

Para avançar nessa agenda, é crucial implementar estratégias de reparação que incluam reflorestamento e recuperação de áreas degradadas. Essas iniciativas não apenas ajudam a restaurar ecossistemas fragilizados, mas também promovem a biodiversidade e fortalecem o equilíbrio natural. Além disso, adotar práticas sustentáveis na mineração pode transformar o setor em uma força positiva para o desenvolvimento regional. Isso envolve o uso de tecnologias menos invasivas e investimentos em métodos que respeitem os limites ecológicos.

O engajamento das comunidades afetadas deve ser central nesse processo. Garantir sua participação nas decisões sobre projetos minerais é essencial para construir um pacto social robusto. Assim, trabalhadores locais devem ter prioridade na contratação e qualificação, assegurando que os benefícios da exploração mineral sejam compartilhados equitativamente e contribuam para um futuro mais sustentável e justo para todos.

Industrialização e Novos Horizontes para a Economia Brasileira

O desenvolvimento da cadeia de terras raras pode impulsionar diversos setores no Brasil:

Nicho EstratégicoPotencial de InvestimentoDesafio AtualFoco para Desenvolvimento Nacional
Reagentes Químicos de Alta PurezaR$ 30 milhõesAlta dependência de importação (Ásia)“soberania em insumos químicos”
Reciclagem de Ímãs (ex: NdFeB)R$ 10 milhõesPraticamente inexistente no país“economia circular e terras raras”
Logística e Infraestrutura NacionalR$ 5 milhõesRotas internas subdesenvolvidas“integração logística nacional”
Certificação e Rastreabilidade SoberanaR$ 2 milhõesAtender exigências e garantir origem“rastreabilidade e controle nacional”

A demanda global por terras raras, especialmente para a transição energética e tecnológica, é crescente e estrutural. Se o Brasil conseguir implantar ao menos duas plantas de refino de porte significativo (ex: 20 mil toneladas/ano cada) nos próximos três anos, poderá não apenas capturar margens importantes, mas, fundamentalmente, gerar milhares de empregos de qualidade e internalizar conhecimento técnico. A inação ou a demora significarão a perda dessa oportunidade para a expansão de outros players globais, consolidando a posição do Brasil como fornecedor de matéria-prima de baixo valor.

Conclusão

O ano de 2025 é um ponto de inflexão. O Brasil detém as reservas minerais, uma matriz energética favorável e um mercado global demandante. A questão central é se o país terá a visão e a vontade política para construir um projeto nacional soberano para as terras raras, que coloque os interesses do povo brasileiro e o desenvolvimento sustentável do país em primeiro lugar, ou se permitirá que interesses externos ditem o ritmo da exploração de suas riquezas.

Shares:
Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *