Falar de mineração no Brasil é quase sempre falar de números gigantescos, de paisagens transformadas e, claro, de muita riqueza saindo da terra. É inegável: o setor é um peso-pesado na nossa economia, movimenta cifras bilionárias e dá trabalho para muita gente. Mas, quando a gente sai da visão macro e olha para as cidades e regiões onde tudo isso acontece, a coisa fica mais… complicada. Será que todo esse dinheiro se traduz, automaticamente, em qualidade de vida e progresso duradouro para quem vive ali? Ou a mineração acaba sendo aquela visita rica que deixa a casa bagunçada depois?

É essa a questão que a gente precisa desvendar. Vamos dar uma olhada mais de perto em como a mineração mexe com a vida das regiões, desde o emprego na boca da mina até as políticas que tentam fazer com que essa riqueza toda não seja só uma miragem passageira.

Quando a economia gira em torno da mina

É fato: onde tem mineração em grande escala, tem dinheiro circulando. E não é pouco. Basta olhar para estados como Minas Gerais e Pará – a economia deles respira minério. Em muitas cidades, a coisa é ainda mais intensa. A mineração não é só uma atividade importante, ela é a atividade principal, ditando o ritmo do PIB local. Parauapebas, no Pará, com o monstro que é o Projeto Carajás, ou a histórica Itabira, em Minas, onde a Vale nasceu, são exemplos gritantes. Tire a mineração da equação, e a economia dessas cidades simplesmente desmorona.

O PIB que Vem do Chão

Essa ligação fica evidente nos números. Minas e Pará, sozinhos, costumam abocanhar a maior parte do bolo do faturamento da mineração brasileira – mesmo que os percentuais mudem um pouco a cada ano (em 2022, foram 40% para MG e 33% para PA, segundo o IBRAM). Em cidades como Itabira, a mineração já foi o carro-chefe absoluto do PIB. É uma dependência que assusta, principalmente quando surge a notícia de que a mina está chegando ao fim, como é o caso por lá. O futuro vira uma interrogação gigante.

E claro, toda essa movimentação econômica gera impostos e, principalmente, um tal de CFEM, que merece um capítulo à parte.

CFEM: o dinheiro do minério que (teoricamente) volta para a comunidade

Pense na CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais) como o royalty da mineração. É a grana que as empresas pagam por tirar do chão um recurso que, no fim das contas, é de todo mundo (da União). A Constituição garante que as regiões onde essa exploração acontece recebam uma parte desse valor como compensação. É o mínimo, certo?

Para onde vai essa grana?

A Agência Nacional de Mineração (ANM) é quem faz a conta e distribui o dinheiro. A maior parte vai direto para quem sente o impacto mais de perto:

•60% para a prefeitura da cidade onde a mina está.

•15% para o governo do estado.

•15% para as cidades vizinhas que são afetadas (por exemplo, por onde passam os caminhões ou trens com minério).

•Os 10% que sobram ficam com a União, divididos entre a própria ANM, órgãos de pesquisa e o IBAMA.

E pode gastar com qualquer coisa?

Não! E aqui está um ponto crucial. A lei proíbe usar a CFEM para pagar dívidas antigas ou engordar a folha de pagamento fixa da prefeitura ou do estado. A ideia é que esse dinheiro seja reinvestido na comunidade. Ele tem que ir para projetos que melhorem a vida das pessoas: mais infraestrutura (asfalto, esgoto), cuidado com o meio ambiente, melhorias na saúde, na educação…

O volume é alto – em 2023, foram quase R$ 7 bilhões! Dinheiro suficiente para fazer uma diferença enorme. O problema é que, muitas vezes, a gente ouve falar de má gestão, de projetos que não saem do papel, e fica a dúvida se essa riqueza toda está mesmo virando benefício concreto e duradouro para quem mais precisa. É uma discussão constante.

Trabalho na mina (e fora dela)

Uma coisa é certa: mineração costuma significar emprego. E não só para quem veste o macacão e desce para a mina ou opera as máquinas na usina. A atividade puxa uma fila enorme de outros negócios junto: transporte, alimentação, manutenção, serviços… é uma cadeia que se espalha.

Quantos empregos estamos falando?

Os números são expressivos. O pessoal contratado diretamente pelas mineradoras gira em torno de 200 mil pessoas no Brasil (dados de 2022). Mas quando a gente soma todo mundo que depende indiretamente da atividade, essa conta pode passar dos 2 milhões de postos de trabalho! É muita gente. Claro que a maior parte dessas vagas se concentra onde estão as grandes minas, como no Pará e, principalmente, em Minas Gerais – lá, falam em mais de 180 mil empregos diretos só no estado.

Isso tem um peso social enorme, óbvio. Mas tem o outro lado da moeda: esses empregos são tão dependentes do sobe e desce do preço do minério quanto a própria atividade. Uma crise lá fora, uma queda brusca no preço do ferro, ou o fim de uma jazida… e o resultado pode ser demissão em massa. É o tipo de coisa que tira o sono de muita família, como acontece hoje em Itabira.

Bilhões em jogo: investimento e a busca por um rosto mais verde (e social)

As gigantes da mineração não brincam em serviço quando o assunto é investimento no Brasil. Estamos falando de cifras na casa dos 50 bilhões de dólares previstos só para os próximos anos (até 2027, segundo o IBRAM). Esse dinheiro todo vai para aumentar a produção (ferro, cobre e níquel continuam sendo os queridinhos), melhorar a logística (estradas de ferro, portos) e, o que tem ganhado cada vez mais destaque, para tentar limpar um pouco a barra na área socioambiental.

A onda ESG chegou às minas?

Parece que sim. Aquele papo de ESG (ambiental, social e governança) está na moda, e na mineração não é diferente. A previsão de investimento só nessa área deu um salto considerável, chegando a US$ 6,5 bilhões para o mesmo período. O setor, puxado pelo IBRAM, até criou uma tal de “Agenda ESG” com metas que soam bem: gastar menos água e energia, zerar acidentes com mortes (principalmente em barragens, depois de tudo que vimos…), ter mais mulheres trabalhando e em cargos de chefia, etc.

É um passo importante? Sem dúvida. Esses investimentos são a tentativa de diminuir os estragos e, quem sabe, deixar algo de bom para além do buraco no chão. Mas, sejamos sinceros, os desafios continuam enormes. O que fazer com montanhas de rejeito? Como recuperar de verdade as áreas exploradas? Como construir uma relação de confiança com as comunidades afetadas? São perguntas que ainda precisam de respostas muito melhores (e ações mais concretas) do que as que temos hoje.

A corda bamba da dependência: Parauapebas e Itabira no espelho

Para entender na prática essa história de amor e ódio com a mineração, vale a pena olhar para dois retratos bem diferentes, mas que ensinam muito: Parauapebas e Itabira.

De um lado, Parauapebas, no Pará. A cidade nada em dinheiro por causa de Carajás. A CFEM jorra nos cofres municipais, os empregos atraem gente de todo canto. A cidade cresceu, mudou de cara. Mas… e o dia de amanhã? A dependência do ferro é quase total. Se o preço cai, ou se a Vale espirra, a cidade inteira pega um resfriado. O grande nó lá é: como aproveitar essa montanha de dinheiro de hoje para construir uma economia que não dependa só da mina amanhã?

Do outro lado, Itabira, em Minas. A cidade que nasceu e cresceu com a Vale agora ouve o anúncio de que as minas principais estão se esgotando. Décadas vivendo à sombra (e com o dinheiro) da mineração fizeram com que outras alternativas econômicas ficassem esquecidas. Agora, a cidade se vê obrigada a correr atrás do prejuízo, a se reinventar do zero, praticamente. É o futuro batendo na porta, e a pergunta é: o que fazer quando a fonte secar?

Essas duas histórias mostram que a mineração pode, sim, trazer muito dinheiro e desenvolvimento aparente. Mas quase nunca é uma história com final feliz garantido e eterno. Para que o desenvolvimento seja real e duradouro, precisa ter planejamento sério, precisa usar bem a grana que entra (como a CFEM!) e, principalmente, precisa pensar desde já em não colocar todos os ovos na mesma cesta da mineração. É preciso preparar o terreno para o dia em que a mina não for mais o centro de tudo.

No fim das contas: como equilibrar essa balança?

Olhando para tudo isso, fica claro que a mineração no Brasil é uma força poderosa, capaz de redesenhar economias regionais inteiras. Ela traz empregos, movimenta o PIB, paga royalties… tudo isso é inegável. Mas, como vimos, a conta não fecha só com os pontos positivos.

A sombra da dependência econômica é longa. Os estragos no meio ambiente e na vida das pessoas são reais. E a pergunta sobre o que acontece depois que a mineração acaba ainda ecoa sem respostas fáceis em muitos lugares.

O pulo do gato, talvez, seja justamente esse: usar a riqueza que a mineração gera hoje com inteligência e visão de futuro. Investir pesado não só em mitigar os problemas atuais, mas em construir alternativas, em fortalecer outras áreas da economia, em preparar as pessoas para um cenário diferente. Só assim para garantir que o brilho do minério não ofusque a chance de um futuro realmente sustentável para todos que vivem nessas regiões, muito depois que a última caçamba sair da mina.

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