Enquanto o mundo discute transição energética, mineração crítica e corrida por lítio, há um recurso que permanece no centro de todos os debates — mas nem sempre com o destaque que merece: a água.
O curioso é que países com grandes reservas hídricas também estão entre os mais explorados no setor mineral. Isso coloca em xeque um ponto cada vez mais sensível: como garantir a proteção da água diante da pressão crescente da mineração global?
O mapa das águas – e dos interesses
Segundo relatório recente da UNESCO (2024), os países com maior volume de água doce renovável disponível por habitante são:
- Brasil (~8 425 m³/hab)
- Canadá (~4.500 m³/hab)
- Rússia (~2.800 m³/hab)
- Indonésia (~2.600 m³/hab)
- República Democrática do Congo (~1.300 m³/hab)
Coincidência ou não, todos esses países também integram a lista dos que mais abrigam reservas estratégicas de minerais — incluindo ouro, cobre, níquel, cobalto e elementos de terras raras.
“Não existe neutralidade entre água e mineração. Em algum momento, um vai pressionar o outro.”
Essa frase apareceu em um painel da COP28 e virou mantra entre especialistas em segurança hídrica.

Onde a água é riqueza — e também alvo
Na região do Xingu, no Pará, tem gente dizendo que a água já não corre como antes. A expansão de empreendimentos minerais — principalmente ligados à bauxita — acabou se sobrepondo a áreas de recarga natural e proximidades de territórios indígenas. Não é de hoje que se escuta relatos de caciques preocupados com o que pode acontecer às nascentes da região. E o mais grave: muita coisa avança sem consulta real às comunidades que já estavam lá muito antes das máquinas.
No cerrado de Minas e Goiás, a história se repete com sotaque diferente. O avanço da lavra de fosfato e nióbio vem batendo de frente com agricultores familiares e pequenos criadores que dependem da água de vereda para viver. Algumas dessas áreas viraram palco de tensão silenciosa: ninguém proíbe ninguém de falar, mas também ninguém escuta quem fala.
🌍 República Democrática do Congo: onde a água some junto com o minério
Na prática, é difícil saber o que é mais explorado no Congo: o solo ou o silêncio. O país é líder em produção de cobalto — essencial pra baterias de celulares e carros elétricos —, mas também é palco de uma crise hídrica invisível aos olhos de quem só lê números.
Muitas comunidades próximas às minas relatam rios que mudaram de cor e poços que secaram após o início das operações. Isso raramente vira manchete. O deslocamento de famílias e o uso sem critério da água subterrânea acontecem longe dos fóruns internacionais. Mas basta uma visita aos arredores de Kolwezi, por exemplo, para entender que a mineração ali custa muito mais do que se vê no contrato.
🍁 Canadá: modelo elogiado, mas nem sempre seguido
O Canadá costuma aparecer nas listas como um dos países com melhor governança hídrica do mundo. E de fato, tem estrutura pra isso. Mas na prática, nem todo projeto segue o manual à risca.
Em British Columbia, comunidades indígenas vêm denunciando alterações no curso de rios usados tradicionalmente para pesca e rituais. O que se discute por lá é menos o direito à água — e mais quem toma as decisões sobre ela.
Mesmo com protocolos ambientais bem escritos, a pressão corporativa por produtividade continua pesando. Especialmente quando há minério crítico envolvido.

Um novo tipo de disputa: água ou futuro?
Não é exagero dizer que a corrida por lítio, cobre e terras raras — puxada pelo discurso da transição energética — está redesenhando o mapa da mineração no mundo.
Empresas estão indo cada vez mais longe: áreas de floresta densa, zonas de montanha e até regiões onde a água sempre foi limitada.
🔍 E aí vem a contradição: pra extrair o que vai “salvar o planeta”, muitas vezes se compromete o que mantém a vida.
São zonas de recarga, lençóis freáticos frágeis, cabeceiras de rio que viram caminho de caminhão.
A resposta está no modelo — não só na tecnologia
Há soluções em andamento: reuso de água, lavra a seco, circuitos fechados de beneficiamento.
Mas essas soluções custam caro — e nem sempre são adotadas quando a fiscalização é fraca.
O problema não é técnico. É político e ético.
Sem transparência nos dados, sem diálogo com as populações locais e sem compromisso com a preservação de aquíferos e nascentes, a promessa de mineração sustentável não passa de marketing verde.
Conclusão
A crise hídrica global não é mais uma projeção: é um dado atual.
E onde há mineração intensiva, a água já deixou de ser apenas insumo — virou território em disputa.
Os países com grandes reservas hídricas precisam decidir, urgentemente, qual modelo de desenvolvimento querem sustentar.
Porque o dilema está dado: ou protegemos a água — ou nos tornamos reféns da escassez.