O Brasil, tradicionalmente conhecido por sua riqueza mineral, está diante de uma nova fronteira estratégica: o mercado das terras raras. Esses elementos, essenciais para a produção de tecnologias verdes e digitais, têm se tornado protagonistas na transição energética e na disputa geopolítica por cadeias produtivas menos dependentes da China, que hoje é líder no beneficiamento de terras raras no mundo.
As terras raras não são tão raras quanto o nome sugere, mas sua concentração em jazidas economicamente viáveis é limitada. O Brasil, que possui um dos cinco maiores potenciais do mundo para esses elementos, não pode desperdiçar essa janela de oportunidade. Com reservas conhecidas em Minas Gerais, Amazonas, Goiás e Bahia, e projetos emergentes no Amapá e em Rondônia, o país tem condições de disputar protagonismo global se souber estruturar sua cadeia produtiva de forma soberana e inovadora.
Afinal, o que são terras raras?
As terras raras são um grupo de 17 elementos químicos, compostos pelos 15 elementos da série dos lantanídeos, mais o escândio e oítío. Quimicamente, são metais de transição interna com números atômicos que variam de 57 (lantânio) a 71 (lutécio), somando-se o escândio (21) e oítío (39) pela similaridade em propriedades físico-químicas. Apresentam características particulares, como elevada afinidade eletrônica, propriedades magnéticas e espectrais singulares, o que os torna insubstituíveis em aplicações de alta tecnologia.
Esses elementos raramente são encontrados em estado puro na natureza, ocorrendo principalmente como minerais complexos, como bastnasita [(Ce,La)(CO3)F], monazita [(Ce,La,Nd,Th)PO4] e xenotímio [(YPO4)]. Além disso, são divididos em dois grupos: terras raras leves (como lantânio, cério, praseodímio, neodímio e samário), mais abundantes e de extração relativamente mais fácil; e terras raras pesadas (como gadolínio, térbio, disprósio e lutécio), mais escassas e valiosas.
As propriedades magnéticas e luminescentes das terras raras tornam esses elementos fundamentais em uma ampla gama de setores estratégicos, como em imãs permanentes de alto desempenho para turbinas eólicas e motores de carros elétricos, ligas metálicas para a indústria aeroespacial, catalisadores para refinarias, dispositivos ópticos e lasers, além de componentes eletrônicos, baterias e tecnologias verdes.

Desafios estruturais e estratégicos
Apesar do potencial geológico, o Brasil enfrenta gargalos importantes. Um deles é a carência de tecnologia nacional para beneficiamento e separação dos elementos, processos altamente complexos e que exigem investimento contínuo em pesquisa e desenvolvimento. Outro obstáculo é a ausência de uma política industrial clara para o setor, que alinhe interesses da mineração à formação de cadeias de valor internas.
Hoje, a maior parte da produção global de terras raras está concentrada na China, que domina cerca de 85% do processamento global. O monopólio não está apenas na extração, mas no refino e na fabricação de componentes essenciais à mobilidade elétrica, à geração eólica e à indústria de defesa. Romper essa dependência é estratégico não só para o Brasil, mas para o Ocidente como um todo.
Oportunidades para uma transição verde e industrialização soberana
É justamente nesse ponto que surgem as maiores oportunidades. O Brasil pode estruturar um ecossistema completo de produção, desde a exploração em pequena e grande escala até o beneficiamento e a industrialização de tecnologias limpas. É preciso fomentar parcerias com universidades, centros de pesquisa, agências de fomento e empresas com expertise global.
Além disso, a exigência de sustentabilidade e rastreabilidade dos minérios no mercado internacional pode beneficiar o Brasil, que tem condições de adotar boas práticas socioambientais desde a origem. A certificação de origem e o cumprimento de critérios ESG (ambiental, social e governança) não são mais diferenciais: são condições de acesso a mercados premium.

Casos em andamento e perspectivas para 2030
Projetos como os de Araxá (MG), com foco em monazita e bastnasita, e os estudos em Serra do Navio (AP), apontam para um cenário de diversificação e adição de valor. Com previsão de planta-piloto em 2025 e produção modular até 2030, empresas brasileiras e consórcios internacionais já disputam participação nesse novo ciclo industrial.
A chance é clara: com 100 mil toneladas de terras raras sendo processadas internamente, o Brasil pode atender à demanda de sua indústria nacional de tecnologia e exportar com alto valor agregado. Isso significa mais empregos, mais arrecadação e menos dependência de insumos estrangeiros.
Uma rota de futuro possível
O Brasil precisa transformar sua vocação mineral em protagonismo tecnológico. As terras raras são uma porta de entrada para uma indústria verde, soberana e conectada com as exigências do século XXI. O desafio é organizar essa trajetória com inteligência estratégica e compromisso com a sustentabilidade.
Se o país quiser ocupar um lugar de destaque na nova ordem econômica global, precisa agir agora. As terras raras não esperam, e o futuro também não.
>> Você pode gostar de ler: Corrida pelo Lítio em Rio Vermelho (MG): Chineses, Políticos e Prisões