(Reportagem Especial)
No silêncio da Serra da Canastra (MG), onde “o vento corta como faca”, um homem desce 30 metros em um buraco estreito, amarrado por uma corda desfiada. Seus dedos calejados vasculham a parede de rocha azulada, iluminada apenas por uma lanterna pendurada no boné. “Achou!”, grita alguém lá em cima. Na palma de sua mão, um cristal bruto do tamanho de uma unha reluz sob a luz fraca: um diamante. Valerá R$500 mil? R$500? R$5 mil? Ele não sabe. Sabe apenas que, dali a algumas semanas, essa pedra estará em um anel de noiva em Antuérpia, na Bélgica – e ele continuará aqui, escavando o que a terra dá, e o que ela cobra.
O Brasil é um país que se desmancha sob os próprios pés. Enquanto você lê esta reportagem, 2,7 toneladas de ouro, 45 quilates de diamantes e 80 toneladas de minério de ferro são extraídos de nosso solo. Cerca de 4,6 milhões de toneladas por ia! São riquezas que alimentam desde turbinas eólicas na Alemanha até smartphones no Japão. Mas por trás de cada grama de brilho, há uma história de suor, conflito e terra ferida.
O Mapa Que Ninguém Ensina na Escola
Minas Gerais não é só café. No Vale do Jequitinhonha, conhecido como o “Vale da Miséria”, o solo rachado esconde o tesouro do século XXI: o lítio. Em rochas brancas salpicadas de rosa, cristais de espodumênio guardam a chave para baterias de carros elétricos. “É como encontrar um diamante verde”, brinca Maria da Silva, 58 anos, que trocou o plantio de feijão pela caça a pedras há uma década. Enquanto isso, em Goiás, esmeraldas verdes como capim brotam de rachaduras no solo – e alimentam uma guerra silenciosa entre garimpeiros e milícias.
Mas a geografia da ganância é vasta. Na Amazônia, sob árvores centenárias, garimpos ilegais sugam rios com dragas monstruosas. Cada quilo de ouro extraído aqui deixa um rastro de 2 kg de mercúrio nos peixes – e nas veias de crianças indígenas. “Meu filho de 5 anos tem 3 vezes mais mercúrio no sangue que o permitido”, denuncia Aruká Juma, líder da etnia Munduruku (PA).
Do Bateia à Bolsa de Valores: Os Dois Brasis Que Minam
Enquanto um garimpeiro no Tapajós (PA) peneira ouro com uma bateia de madeira, em Parauapebas (PA), a Vale S.A. opera a maior mina de ferro a céu aberto do planeta. Aqui, escavadeiras do tamanho de prédios de 5 andares devoram 230 mil toneladas de terra por dia. O minério vai para a China e volta como aço – que vira geladeiras, carros e até o trilho do metrô que você usa.
Mas há um abismo entre esses mundos. Enquanto a mineração industrial gera R$250 bilhões/ano, enquanto o garimpo ilegal movimenta R$15 bilhões/ano – dinheiro que alimenta desde mercados locais até o tráfico internacional. “É um Brasil que brilha no exterior e apodrece na origem”, resume o geólogo Carlos Freitas, da CPRM.
As Cicatrizes Que o Progresso Esconde
Na Chapada Diamantina (BA), onde diamantes financiaram óperas na Europa do século XIX, rios estão secos. Em Catalão (GO), montanhas de rejeitos de nióbio (mineral usado em naves espaciais) avançam sobre casas. “Acordamos com a poeira vermelha cobrindo tudo, até a roupa no varal”, conta Francisca Alves, 67 anos.
Mas a ferida mais profunda está no litoral do Espírito Santo. Em praias de areia negra, grãos de monazita – fonte de terras-raras para ímãs de alta tecnologia – emitem radiação. “Pescadores estão perdendo a visão”, alerta a bióloga Luana Rocha. Enquanto isso, em Bruxelas, a União Europeia celebra seu “Acordo Verde” – dependente desses mesmos minérios radioativos.
O Dilema Enterrado: Extrair ou Preservar?
O Brasil enfrenta uma encruzilhada épica. Temos:
- 72% das reservas globais de nióbio;
- 25% do lítio necessário para a transição energética até 2030;
- Ouro suficiente para lastrear nossa moeda 3 vezes.
Mas a que custo? Enquanto o governo lança o Plano Mineração 2030, prometendo “sustentabilidade”, o Congresso discute projetos para liberar garimpo em terras indígenas. “É como escolher entre morrer de fome ou de câncer”, ironiza o líder Yanomami Davi Kopenawa.

O Que Você Tem a Ver Com Isso?
Na sua mão, o celular contém ouro amazônico, terras-raras capixabas e estanho do Pará. No seu carro (elétrico ou não), há ferro de Carajás e lítio mineiro. Esta reportagem foi escrita num computador com nióbio de Goiás. São tantos exemplos que fica difícil dar menção a todos, o ponto central é: precisamos encontrar formas de desenvolvimento que unam o avanço científico e tecnológico sem agredir tanto o meio ambiente.
Iniciativas como reflorestamento e recuperação de áreas degradadas são possíveis, através de amplos programas de apoio do poder público, empresas privadas e associações do terceiro setor em benefício das comunidades e áreas onde se localizam estes empreendimentos.
A pergunta que o Brasil não faz, mas deveria, é: quem paga a conta do nosso desenvolvimento? Enquanto isso, lá na Serra da Canastra, o homem do buraco sobe a corda. Na bolsa, 3 diamantes. No pulso, um relógio parado às 15h47 – hora em que a barragem de Brumadinho se rompeu, em 2019, soterrando sonhos mais frágeis que cristais.